Maciel, jogador de deixou a sua marca na UD Leiria no início do século, revisitou a sua carreira ao serviço do clube do Lis, destacando os ensinamentos de Jorge Jesus e José Mourinho, entre outros. De visita a Portugal, o avançado de 38 anos não pensa pendurar as chuteiras e adianta que pode voltar ao activo num clube da região de Leiria

Apareceu na UD Leiria em 2001 como um desconhecido. Como foi o impacto inicial?
Na altura fui para a UD Leiria a pedido de José Mourinho. Nesse ano fui a revelação do campeonato carioca no Volta Redonda, e acabei por ser emprestado à UD Leiria. Quando cheguei foi um pouco estanho porque disse aos meus colegas ‘cheguei para ser campeão’. Ninguém acreditava porque o Leiria não era uma equipa grande, então muita gente sorriu. Mas eu vim com a convicção que queria títulos, queria ganhar, tinha uma mentalidade vencedora e no campo consegui mostrar que queria vencer, com raça, com luta, com determinação. O impacto maior foi mesmo a reacção dos meus companheiros que não acreditavam muito.

E no futebol jogado, sentiu diferenças entre o futebol brasileiro e o português?
Eu sempre fui um jogador rápido e consegui adaptar-me bem porque o futebol português também é rápido, com dinâmica, táctico e disciplinado. São características que eu também tenho como jogador, pelo que me adaptei melhor do que outros jogadores que vêm de fora.

O Maciel chegou, viu e venceu. Foi um início de carreira em Portugal em grande…
Eu era muito feliz aqui. Consegui fazer uma dupla com o Derlei muito boa, juntamente com outros jogadores, como o Duah ou o Jacques. O Derlei é o melhor marcador de sempre da UD Leiria com 42 golos e eu estou a dois ou três golos de diferença. Para um extremo fiz muitos golos. Esperava um dia voltar e tentar fazer mais golos para ultrapassar o Derlei e ficar na história do clube. Foi uma época muito feliz, tínhamos um ataque muito bom, temido pelos adversários.

O Maciel teve três passagens em períodos diferentes pela UD Leiria. Qual destes períodos o marcou mais?
Os dois primeiros anos foram especiais porque chegámos a final da Taça de Portugal, ficámos em quinto lugar no campeonato, o que foi uma classificação histórica para o clube, fiz muitos golos e sentia-me bem. Foram dois anos espectaculares. Nos outros anos não foi perfeito por várias circunstâncias, mas sempre dei o máximo pela camisola e sempre amei o clube com todo o coração porque foi o clube que abriu as portas para mim.

O Maciel jogou no estádio antigo e no novo. Que diferenças encontrou?
No estádio velho o público parecia estar mais perto, parecia que sentíamos mais os adeptos. E isso faz parte. Os adeptos têm que apoiar, colocar pressão. Jogador que não consegue jogar sob pressão, jamais vai conseguir singrar, vai estar acomodado.

Dos vários treinadores que teve na UD Leiria – Mário Reis, Vítor Pontes, Manuel Cajuda, José Gomes, Paulo Duarte, José Mourinho, Jorge Jesus e Vítor Oliveira, houve algum que o tenha marcado?
Todos eles. O Mário Reis assumiu a equipa com a saída do Mourinho e era um excelente treinador. Ele falava muito comigo. Depois de terem saído tantos jogadores, ele disse-me que eu era um pilar da equipa. Foi uma das pessoas que não me deixou desanimar, um treinador muito experiente, que conhece os cantos de todos os clubes para onde vai.

E em relação aos outros treinadores?
Vítor Pontes foi um treinador que o grupo acolheu muito bem. Aliás, foram os jogadores que pediram que fosse ele o nosso treinador, é uma pessoal especial para mim, como um irmão. Todos gostavam dele. Espero que ele consiga singrar na carreira dele. O Manuel Cajuda foi um ‘paizão’ para mim, ajudou-me muito, deu-me muitos conselhos, não me deixava desmotivar e deixava-me à-vontade no campo. O José Gomes sabia lidar bem com os atletas. Dava treinos muitos bons, até parecido com José Mourinho. O Paulo Duarte é um grande amigo. Tem um enorme sucesso em África e tem que ser mais valorizado. Tenho a certeza que os clubes grandes vão-lhe dar uma oportunidade porque ele merece há muito tempo. O Vítor Oliveira é um grande treinador. Ele não é o rei das subidas à toa. É muito experiente e dedicado no que faz, tratando todos como iguais. Eu adaptei-me bem a todos estes treinadores.

Tem acompanhado a realidade da UD Leiria?
No ano passado acompanhei mais quando estavam na luta pela subida. Até comentei com alguns adeptos a esperança que a UD Leiria subisse. Sempre tive e tenho a vontade de actuar aqui novamente, de ajudar a UD Leiria. Há uns anos falou-se do meu regresso, mas não passou de boato. Tenho 38 anos, mas tenho corpo de 25. Sempre tive vontade de terminar esta história maravilhosa que eu tive com o clube, mas não houve mais contactos, não houve vontade de haver uma aproximação. Não guardo mágoa porque a direcção mudou toda e talvez a actual direcção não conheça a minha história ou a mística do clube, mas sei que não é por maldade. No dia em que me chamarem para voltar, eu estarei disponível. Mas tem que ser agora e não quando tiver 40 ou 41 anos.

Fica chocado ao encontrar a UD Leiria no Campeonato de Portugal (3.ª divisão) depois de tantos anos na I Liga?
Para mim é difícil ver esta realidade porque o clube não merecia isto. A UD Leiria deveria estar na I Liga. Sempre foi um clube de tradição, de sacrifício, que sempre que descia lutava logo para subir. É complicado. O clube agora tem que reunir forças para colocar a UD Leiria no devido lugar.

Está aberto à possibilidade de regressar a Portugal para jogar?
Tenho algumas portas abertas em Portugal. Estou em negociações com um clube que não posso revelar qual é porque ainda não está nada certo, mas há essa possibilidade. Estamos a conversar e vamos esperar para ver o que acontece.

Que mensagem gostaria de deixar aos adeptos da UD Leiria?
Queria dizer para os adeptos terem força, para acreditarem na subida e apoiarem sempre a equipa.

“Quem não evoluir com Jorge Jesus não evolui com mais ninguém”

Foi orientado por Jorge Jesus. É difícil lidar como ele, como se diz?
Jorge Jesus é o famoso ‘cavalo branco’ (risos), como lhe chamávamos. Um jogador que não evolua com Jorge Jesus não evolui com nenhum outro treinador. É um treinador muito disciplinado. Quem não entrar na táctica dele, não joga. Eu lembro-me que a UD Leiria tinha aqui um jogador, o Harrison, que chegou a Leiria a pensar que era o craque da equipa. No primeiro jogo em que ele não correu muito, o Jorge jesus disse-lhe: ‘vem cá Zico, não vais jogar mais’. Ele era excelente jogador e a verdade é que o Jorge Jesus passou a usá-lo a trinco e foi um dos destaques da equipa. Jorge Jesus sempre foi um treinador com uma mentalidade acima da média. Um jogador tem que saber quem é o líder. O Jorge Jesus não humilha os jogadores, ele quer que os jogadores façam o que ele quer no campo, mas com a bola nos pés os jogadores é que decidem.

Mas imagino que não seja fácil para um jogador ouvir certas coisas…
Treinador não tem que pedir por favor para o jogador correr, tem que falar forte porque ele é que é o comandante e os jogadores só têm que fazer o que ele pede. O Jorge Jesus é assim e não vai mudar. Sempre foi um excelente treinador, era só uma questão de tempo ele chegar a um clube maior. Ele sempre disse que um dia ia chegar lá. Teve paciência, trabalhou muito bem nos clubes onde esteve e é mérito dele, pelo talento e pelo que passa ao jogadores dentro e fora do campo. |

“Mourinho mostrava que estava muito à frente da sua época”

O seu primeiro treinador em Portugal foi José Mourinho. Sentiu desde logo que estava perante um futuro ‘Special One’?
Já dava para notar pelo jeito dele de falar com os atletas, de entrar na tua mente e dizer que és o melhor, que ele era diferente. Também pelos treinos que dava que visavam uma pressão constante, treinos em campo reduzido, de um ou dois toques, víamos que era diferenciado. O que ele fazia há 10, 15 anos é o que muitos treinadores fazem agora e isso mostra como ele já estava avançado para a época. Ele trabalhou com grandes treinadores e já veio com mentalidade de vencedor, e isso notava-se.

E imaginava que José Mourinho pudesse chegar ao topo?
Imaginávamos que ele chegasse a um grande clube. Ele sempre foi talentoso e sempre o demonstrou no dia-a-dia. A inteligência dele e a forma como falava com os jogadores já revelava que, para além de um grande treinador, era um grande homem. Conseguia envolver todos e fazia com que todos gostassem desse, tanto os jogadores como os directores e o presidente.

Quando José Mourinho saiu para o FC Porto ele disse que o ia levar consigo mais cedo ou mais tarde. Isso mexeu com a sua cabeça?
Quando ele foi para o FC Porto e levou o Nuno Valente, o Tiago e o Derlei, ele veio ter comigo, deu-me um abraço e disse: ‘Vou-te levar. Não vai dar agora, mas continua a trabalhar que isso vai acontecer’. Eu acreditava sempre. Sempre acreditei. Podia ter ficado desmotivado, mas a mim isso motivou-me ainda mais, a trabalhar mais forte, a ter mais disciplina, sempre com o objectivo de ajudar a UD Leiria porque eu ajudando a equipa, mais facilmente poderia chegar a outros patamares. |

Texto: José Roque – Diário de Leiria
Foto: Flávia Brites