Hugo Pinheiro é um nome desconhecido somente para aqueles que nunca passaram horas à frente de um dos jogos de simulação mais famosos do planeta. O Championship Manager – versão que antecedeu o Football Manager – roubou muitas horas de vida a adeptos do futebol espalhados pelo Mundo. E que atire a primeira pedra aquele que nunca contratou o guardião português na versão 2001/02 do jogo – na anterior também já era uma promessa.
Se nunca o fizeram, fazem parte de uma espécie rara. A verdade é que Pinheiro era um jovem guarda-redes de enorme potencial. Atuava no Marinhense, era barato e a sua contratação era daquelas obrigatórias para qualquer treinador. Em termos de qualidade/custo era, muito provavelmente, o melhor guarda-redes do jogo. Uma verdadeira “pechincha”!
Pinheiro tornou-se um fenómeno mundial de popularidade. Basta fazerem uma rápida pesquisa no Google para perceberem que qualquer lista digna dos 10 melhores guarda-redes do CM 01/02 contém lá referência ao português. Quem o contratava assegurava um guardião de futuro e que manteria a sua baliza bem segura por muitos e longos anos.
Mas estamos a falar de uma realidade paralela. A verdade é que por trás desta estrela virtual havia um jogador de carne e osso. Na realidade, a carreira de Hugo Pinheiro nunca atingiu os altos voos que o jogo perspetivava. Mas o guardião da Marinha Grande ainda conseguiu alcançar algumas coisas bonitas, antes de pendurar as luvas há cinco anos.
Fomos procurá-lo para tentar perceber um pouco mais sobre a realidade escondida atrás de um dos nomes mais famosos da história deste jogo de simulação de treinadores. Como se deu o fenómeno, como lidou com ele e como foi a sua aventura nas balizas até pendurar as luvas, somente com 30 anos de idade. Eis, Hugo Pinheiro. Aquele que um dia foi (virtualmente) o guarda-redes mais disputado do Mundo.

Sem explicação para o sucedido
O famoso jogo tinha outro jogador português bastante famoso. Tó Madeira foi durante meses o melhor avançado do jogo. Até descobrirem que tudo não passava de uma fraude. O goleador do Gouveia não existia. O observador que enviava os dados daquela equipa acabou por fazer “batota”, colocando-se a jogar e com números dignos de um verdadeiro Messi ou Cristiano Ronaldo da época.
A mentira passou em claro à equipa que fez o jogo e até o retirarem da base de dados passaram ainda alguns meses. Ainda assim, o fenómeno Tó Madeira tornou-se mundialmente conhecido até aos dias de hoje. Mas com Hugo Pinheiro o caso é diferente. Pelo menos, o jogador existiu. Embora seja difícil perceber o que terá levado a que um jovem guarda-redes do Marinhense, da antiga Segunda Divisão B, tivesse números tão “especiais”.
Hugo admite a possibilidade de a fama que teve durante o percurso nas camadas jovens poder ter ajudado a inflacionar os dados, mas garante que não sabe o que se passou. “Penso que poderá ter sido um caso de sorte ou mesmo um bug. Não faço a mínima ideia, nem sei quem enviava os dados”, confessa. Parecia que alguém lhe via um enorme futuro.

Um erro que gerou uma lenda
Mais à frente na conversa Hugo acabou por nos lançar um nome. Embora sem ter a certeza se era mesmo essa a pessoa responsável por enviar os dados. Mário Rui Nicolau, jornalista da Marinha Grande, que chegou a ser correspondente do jornal Record, é a pessoa em questão. Obviamente que tentámos contactá-lo para desvendar este pequeno “mistério”.
Até porque nesse jogo o Marinhense possuía outras boas “jóias”, como eram os casos dos atacantes Pedro Emanuel – ainda atua no Fátima – e Ricardo Jorge – chegou a ser júnior do Sporting e mais tarde representou o Rio Ave, mas já se retirou. Todavia, estes jovens craques estavam longe do potencial de Pinheiro.
Em conversa com o jornalista e antigo colaborador do jogo desvendámos, finalmente, o sucedido. Mário Nicolau admite que acabou por ser um erro a originar uma das maiores lendas da baliza do CM. “Nesse ano recebemos instruções pouco claras”, recorda. “Existiam dois dados novos que tinham números negativos. Um deles correspondia à margem de progresso. No Hugo Pinheiro coloquei -1, pensando que não estava a dar muito potencial. Contudo, era a avaliação máxima da escala”, explica.
No entanto, os casos de Ricardo Jorge e Pedro Emanuel são diferentes. Não existiu qualquer equívoco. “Eram dois jogadores com muito potencial. Tinham muita técnica, mais até que alguns jogadores da Primeira Liga. O Hugo Pinheiro tinha potencial, mas não tanto como eles”, frisa. O fenómeno português das balizas acabou por ser uma grande coincidência, que foi depois corrigida nas versões seguintes do jogo.
Mário Rui Nicolau colaborou com a equipa que produzia o Championship Manager durante dois anos, numa altura em que a “recompensa era um cd do jogo”. Para além do Marinhense, dava ainda os dados dos novos jogadores de Fátima e Sp. Pombal, equipas que acompanhava na região centro. Agora, 15 anos depois, é justo dizer que foi o responsável pelo criação de um dos melhores guarda-redes do jogo.

Reconhecido pelos adversários
Hugo Pinheiro representou o Marinhense durante quatro temporadas e, depois disso, começou uma aventura que lhe foi permitindo subir aos poucos na carreira. Pelo meio recebeu algumas propostas, mas acabou por cumprir o contrato com a formação da Marinha Grande. Contactos de clubes com base nos seus atributos no jogo? “Não. Isso nunca aconteceu”, assegura.
Ainda assim, as referências ao jogo eram muitas, assim como os episódios engraçados à custa do seu potencial no CM. “Ia jogar fora e as pessoas abordavam-me por causa do jogo. Adversários e o público também”, relembra. “Até quando ia a Coimbra as pessoas falavam comigo por causa disso. Quando tinha colegas novos, no primeiro dia de treinos também perguntavam logo se eu era o Hugo Pinheiro do CM. Era bom para ‘quebrar o gelo’ e ajudar na adaptação”, conta.
Obviamente que, com tanta conversa em torno da sua “personagem virtual”, Hugo teve de testar o fenómeno. Embora admita que foi algo que lhe “passou completamente ao lado”. “Cheguei a jogar o jogo e comprava-me para a baliza, mas foi uma coisa com que sempre lidei de uma forma normal. Nunca me afetou”, garante.

Encontro com Rui Vitória
Da Marinha Grande foi para o Portomosense, onde esteve apenas uma temporada. Seguiram-se duas épocas no Rio Maior e outra no Caldas. Em 2008/09 chegou ao Fátima, clube onde viveu o ponto mais alto da carreira: a subida à Segunda Liga. O feito foi conseguido logo nessa temporada. Ficou mais duas épocas no clube, deixando o futebol em 2010/11, com apenas 30 anos.
Quando chega a Fátima o técnico do clube era Rui Vitória. Foi com ele que conseguiu a conquista da Segunda Divisão nacional. Foi orientado pelo treinador ribatejano durante dois anos. Hugo deixa-lhe elogios, embora garanta que tenha ficado surpreendido com o sucesso que tem alcançado, sobretudo, ao serviço do Benfica.
“A nível metódico, de trabalho e de relacionamento com as pessoas via-se que havia ali algo de especial. Organiza bem os treinos, é muito disciplinado na questão tática e percebíamos que poderia estar ali um treinador emergente para a Liga”, relata. “Mas nunca pensámos que poderia chegar ao Benfica, como chegou, e fazer o trabalho que está a fazer”, admite Hugo, antes de apontar a característica de Vitória que lhe deixou mais marcas: “O discurso que ele tem perante os jogos e a envolvência que dá no jogo”.
No Fátima cruzou-se ainda com jovens estrelas que estavam no clube por empréstimo de Benfica ou Sporting. “Aquele que eu sentia que tinha mais qualquer coisa era o Mário Rui, que agora está na Roma”, lembra. No entanto, deixa também uma referência a David Simão, Zequinha, João Pereira, André Carvalhas e André Santos, que também o “impressionaram”.

Retirada Precoce
O aspeto familiar e económico foram os fatores que pesaram na decisão de se retirar. “Foi aos 30 anos que casei. Tive um filho e tive de mudar muita coisa”, refere. A incerteza do futebol, “onde se pode apanhar um clube que paga certinho ou o contrário”, levou-o a tomar a decisão. Nos tempos seguintes ainda se manteve como treinador de guarda-redes da U. Leiria.
O facto de ser mais conhecido pelo impacto que teve num jogo de computador do que pela verdadeira carreira não faz confusão a Hugo Pinheiro. “Vivo bem com isso”, assegura. Até porque uma carreira também se faz de sorte e oportunidades. “Na vida real acaba por ser uma questão de estares no sítio certo, no momento exato e estar lá a pessoa certa. Há muito valor nas divisões inferiores e que acaba por nunca ser reconhecido devido à falta de projeção”, desenvolve.
Agora, aos 35 anos, a única ligação que tem ao futebol é como treinador das Escolas Academia do Sporting na Marinha Grande. Por lá, orienta o filho, o sobrinho e outros jovens talentos da formação. Algum com potencial para ser o novo Hugo Pinheiro? “Haverão de aparecer… Alguns até melhores”, perspetiva, soltando depois um pequeno sorriso, fruto de quem sempre lidou bem com a fama virtual causada por um simples jogo de treinadores de futebol.
“Estou contente com a carreira que tive e com as opções que tomei. Há mais vida para além do futebol”, termina Hugo Pinheiro, o guarda-redes que, no início deste século, todos desejaram ter na sua baliza… virtual.

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