“É muito raro encontrar uma terra que tenha tantas pessoas ao longo da época a ir ver o futebol como no Alqueidão”

António Carvalho é presidente e o sócio número 1 do CCR Alqueidão da Serra e é com orgulho e emoção que ao longo desta entrevista fala do clube, mas também de toda a comunidade que o envolve. Foi presidente entre 2000 e 2014, depois esteve um período como vice-presidente entre 2016 e 2018 e voltou a ser presidente em 2018, cargo onde se mantém até hoje e onde, recentemente, lhe foi renovada confiança para um novo mandato.

Lembra-se do momento em que se tornou pela primeira vez presidente e quais eram os seus objetivos?
A primeira vez foi em maio de 2000 e fundamentalmente porque já era a quarta assembleia que existia e não havia direção, estando iminente a entrega das chaves para dissolver o clube. Esta foi a razão, não tinha nada previsto para o clube nem estava a fazer conta, nunca me tinha passado pela cabeça vir a assumir a presidência. Mas durante essa assembleia passou-me pela cabeça a ideia de vir a formar uma direção e por isso propus que me dessem 15 dias para pensar se tinha condições ou não, se conseguia reunir um grupo de pessoas para me candidatar e assim foi. Passado 15 dias apareci.

Como é que um presidente se aguenta tanto tempo à frente de um clube, é por amor ou porque não tem aparecido mais gente para dar continuidade?
Talvez tudo junto. Nós para fazermos coisas é necessário querermos e eu depois de entrar para a direção senti-me bem, escolhi um grupo de pessoas que me acompanhou quase sempre, algumas delas estiveram os 14 anos comigo. Nunca tive qualquer situação em que alguém saísse da direção por divergência de ideias ou de algum modo chateado e digo isto com alguma alegria porque quem está num lugar destes precisa saber ouvir a opinião dos outros, mesmo quando são contraditórias, e aceitá-las. Não é fácil, mas existe, em contrapartida, uma coisa pelo menos tão grande como essa: o nosso amor ao clube.

Qual é a relação que tem com a estrutura e com os adeptos?
A relação com os adeptos foi sendo ganha no dia a dia. Com o passar dos anos, as pessoas vão compreendendo que, no fim de contas, todos nós fazemos parte de um conjunto em que cada um é uma pequena célula. Portanto, eu não sou presidente, como dizia alguém do futebol nacional, eu estou presidente. Neste momento cabe-me a mim, portanto tenho de dar continuidade a uma vida que o clube já tinha, de décadas, e em que lutei para que mantivesse os valores positivos. Depois, temos sempre o desejo de fazer algo e isso deu-me forças para criar cada vez um bocadinho mais. Hoje se olhar para trás, sinto-me contente com aquilo que fiz.

Faz, por isso, um balanço positivo do seu trabalho até agora?
Quando entrei não tinha objetivos, não me preparei para vir para uma direção, ela surgiu perante as dificuldades que existiam, mas eu direi que há aqui alguns passos determinantes que não podem ser esquecidos. Em 2004 comprámos o campo de futebol acabando com um problema que se arrastava há 30 anos. Comprámos por 50 mil euros à Casa do Povo do Alqueidão da Serra e na altura tivemos uma ajuda de 25 mil por parte da Câmara. Este marco foi importante porque havia aqui uma situação complicada, o campo era da Casa do Povo ou de uma entidade pertencente à Casa do Povo que era o Alqueidão Futebol Clube, por isso, quando nos inscrevíamos na Associação de Futebol de Leiria (AFL) tínhamos de levar uma autorização do Alqueidão Futebol Clube a dizer que nos deixava jogar no campo, uma situação que sempre nos pareceu desajustada. Depois de comprarmos o campo, cerca de cinco dias depois, começámos a fazer a bancada. Aproveitámos a criação do parque eólico. Eu estava na Junta como tesoureiro e a determinada altura o responsável pela instalação do parque disse-me para não lhe pedir dinheiro, mas cimento, porque quando fosse fazer as torres tinha margem para nos dar algum cimento. Aquela conversa interessou-me. Calculámos o betão que íamos precisar, cerca de 85m³ para fazer o muro virado a nascente e depois para fazer uma bancada que era de 75m³, ou seja, precisávamos no total 160m³. Ficou então definido que nos iam dar esse betão. Quando vinham descarregar, tínhamos lá sempre gente preparada para fazer logo o enchimento e o alisamento do betão e foi assim que pouco a pouco aquela obra foi crescendo, com trabalho voluntário. Estávamos em 2004 quando começou a aparecer outra realidade: os relvados sintéticos. Começámos a pensar nisso, mas era uma obra impossível, porque os preços praticados rondavam os 200 mil euros e nós não éramos uma entidade que estivesse habituada a pedir à Junta e à Câmara. Refletimos sobre o assunto, andámos a ver propostas, fomos falar com alguém de Cascais que fazia montagem por um valor que com IVA ia dar os tais 200 mil. Nas tasquinhas, nesse ano, apareceu alguém a dizer que tínhamos aqui um montador de relvados sintéticos próximo e então fomos falar com o sócio-gerente. Levei o Albino Saragoça, o homem que depois nos terraplanou praticamente o chão todo com máquinas do patrão dele, pagaram-nos o gasóleo quase todo e tivemos logo ali um benefício muito importante. Negociámos um valor de 120 mil euros só o custo da relva e colocação e se pagássemos até uma certa data teríamos um desconto de 5%. Nessa altura, já tínhamos metido um projeto à DGAL (Direção-Geral das Autarquias Locais). Mais tarde recebemos a comunicação de Coimbra a dizer que estava chumbado porque não cumpria as condições legais. Fomos ter novamente com o engenheiro que nos retificou o projeto que voltámos a submeter. Chegou ao secretário de Estado e andámos 20 meses cheios de incertezas de tudo. Na altura em que apresentámos o projeto, o meu primo, que tinha sido chefe da repartição de finanças, lembrou-nos que podíamos apresentar o projeto ao governador civil e fomos lá. Recebeu-nos muito bem e até disse que um projeto destes é que ele queria para o Avelar, onde foi muito tempo presidente e até nos perguntou se podia submeter um projeto idêntico e assim foi. Passado três ou quatro meses, o governador civil disse que tinha mudado a candidatura da DGAL para outro apoio que tinha sido lançado por uma secretaria de Estado e aconselhou-nos a fazer o mesmo. No dia seguinte, eu liguei à secretaria de Estado e eles disseram-me que o Alqueidão não podia, porque o título da medida era “O primeiro sintético do concelho” e cá já havia dois: um em Porto de Mós e outro em Mira de Aire e por isso não pudemos mudar a candidatura. Conclusão, ele como governador civil não recebeu nada e eu recebi 70 mil euros. Porquê? Porque acompanhámos sempre as coisas e tomávamos precaução por tudo o que ouvíamos. Devemos sempre ir à fonte saber como as coisas funcionam. O processo então desenvolveu-se, eu ia mantendo contacto com a Câmara que me dizia que se os 70 mil euros chegassem não íamos deixar de fazer a obra por falta do seu apoio e lá conseguimos. Falámos também com a Junta que nos deu 20 mil euros. Como tínhamos canalizado tudo para o campo, estávamos depauperados e por isso, desses 20 mil da Junta, canalizei 10 mil ou 15 mil para a atividade corrente. No total, em termos de valor pago pelo relvado, foi cerca de 150 mil euros, um valor revolucionário para um campo sintético, porque tivemos muita ajuda e nos informámos. Estas foram as principais ações, houve um rejuvenescimento. Entro aqui na sede e sinto-me contente, sinto que fiz a minha parte.

O que falta fazer de mais urgente?
Muita coisa, isto é um trabalho contínuo. Nós nunca nos embebedámos com o que estava feito. É claro que aparecem sempre pessoas a dizer que o Centro é só futebol, mas é o que eu digo: se aparecer alguém credível a dizer que vem para a direção e que vai fazer outra área de serviço, eu digo para aparecer porque é um clube aberto. Perguntou-me quando vinha a entrar se o bar está aberto e muita gente diz que gostava que estivesse e eu digo que podem criar uma estrutura para abrir o bar, mas não podem pedir a pessoas da minha idade (a minha idade ótima já passou, também a gastei cá dentro), a darem esse contributo. Isto é uma casa aberta, cada pessoa tem ideias e têm aqui um espaço para dinamizar.

Os alqueidoenses vivem o futebol de forma apaixonada?
Vivem. Não encontramos ou é muito raro encontrar uma terra que tenha tantas pessoas, por regra e de uma forma regular ao longo da época, a ir ver o futebol como o Alqueidão. Temos uma equipa de camadas jovens, uma equipa sénior e veteranos e toda a gente que queira agrupar-se ao domingo de manhã, pode utilizar as instalações sem ninguém se opor. Penso que no concelho é o único assim. O Alqueidão vive efetivamente o futebol porque é uma vivência de toda a vida. Alguns começam nas camadas jovens, depois têm uma extensão nos seniores e alguns que não passam pela parte sénior, aparecem nos veteranos, mas com os ensinamentos que receberam antes.

Sabemos que uma das suas batalhas é a valorização do estatuto de dirigente, essa batalha está ganha ou não?
A primeira vez que eu ouvi falar no estatuto de dirigente foi com o Júlio Vieira [ex-presidente da AFL e atualmente nos órgãos da Federação Portuguesa de Futebol] e o Júlio, com a sua abertura e com as suas ideias novas, levou-me a perceber que isso era importante. Depois, ouvi na candidatura do atual presidente da Câmara, que não sei se representa o espírito que o Júlio queria transmitir porque não vi nada em concreto. O que eu pedia era que levassem as associações e dirigentes a contribuir quando lhes diz respeito. Mas que fique claro, em assembleia municipal, já ouvi falar em valores monetários, e eu nunca falei em valores. Não quero receber nada, o que eu queria era que quando eu tivesse um problema, ter a possibilidade e estar legitimado para ligar ao vice-presidente e ao presidente da Câmara para falar com eles. Isso para mim era fundamental. Tantas vezes fui à Câmara e não estava lá a pessoa com quem queria falar e nem sempre nos momentos em que quis falar via telefone me atenderam, vou acreditar que não puderam. É sempre uma limitação. O estatuto do dirigente, e creio que terá sempre que ser criado mais tarde ou mais cedo, é para dar alguma legitimidade e valorização do trabalho que é feito, porque isto é um trabalho brutal. Quem está neste cargo, não tenha ilusões, vai dar o seu tempo, o tempo da família e vai dar dinheiro para estar aqui.

Com todo esse trabalho, quanto tempo quer ficar no CCR Alqueidão da Serra?
Já não cumpri o que tinha prometido no penúltimo mandato em que tinha dito que não me candidatava mais e agora fiquei cá. Há momentos em que é difícil, e agora com a COVID-19, com uma época desportiva que nem chegou ao fim, com um ano que ainda se apresenta mais difícil porque não vamos ter tasquinhas, é uma situação complicada. Não lhe sei dizer se continuarei depois deste mandato.

Jéssica Moás – O Portomosense