Foi no Estádio Municipal da Marinha Grande, no dia 29 de abril de 2012, que aconteceu um dos jogos mais inesquecíveis de toda a história do futebol português, e não por bons motivos.
Nesse dia a União Desportiva de Leiria recebeu o Feirense, em jogo a contar para a 28ª jornada da Liga ZON Sagres, mas alinhou com apenas oito jogadores, e um banco órfão de opções para o técnico José Dominguez, que foi à guerra com o que tinha. As coisas não estavam bem no clube, e foi essa a única solução encontrada para não sofrer uma derrota por falta de comparência, mas o que se passava ao certo?

O momento no UD Leiria
Não é muito difícil imaginar qual a origem do problema que levou o Leiria a ter que viver uma situação caricata. Foi, pois claro, uma situação de origem económica, com a União de Leiria a viver uma situação muito difícil a nível financeiro.

A nível desportivo as coisas também não estavam nada boas para o clube, que se via em último lugar na tabela com 19 pontos, a quatro da Académica, que ocupava a última posição segura. Era já a oitava jornada consecutiva no fundo da classificação, e pouco otimismo no que tocava à possibilidade de lá sair, com apenas uma vitória nos 15 jogos que precederam a infame receção ao Feirense.
Havia um Jan Oblak na baliza, mas nem o esloveno que se tornaria num dos melhores guarda-redes do mundo podia defender a União de Leiria do que viria a seguir: uma rescisão coletiva na equipa principal.
Eram já quatro meses de salários em atraso quando o plantel decidiu tomar uma posição. 16 jogadores do plantel profissional avançaram com a rescisão do seu contrato, numa greve que deixou o clube em maus lençóis para os últimos três jogos do campeonato, e qualquer réstia de possibilidade de ver a manutenção alcançada.
O que restava do plantel da UD Leiria era uma pequena amostra do que tinha sido outrora, e dificilmente seria suficiente sequer para disputar um jogo de futsal, mas a falta de comparência no jogo seguinte significaria a descida automática. Para evitar (ou adiar) esse destino, o clube apresentou-se como foi possível.

O dia do jogo
No dia do jogo, frente a um adversário direto na luta pela manutenção – Feirense estava dois pontos acima -, havia apenas oito jogadores disponíveis.

Jan Oblak, José Shaffer e Niklas Barkroth, os três emprestados pelo Benfica, e Djaniny (já contratado pelas águias para a época seguinte) compunham logo metade do lote. Dois juniores, Pedro Almeida e Filipe Oliveira, ajudaram a compor a equipa e Al Hafith e John Ogu, dois dos jogadores que tinham rescindido, voltaram atrás para dar o seu contributo.
Por pouco não foram sete atletas apenas, com Ogu a chegar ao estádio apenas poucos minutos antes do apito inicial, às 16h00. O internacional nigeriano chegou no carro de um dirigente do clube e completou o «oito inicial». Alphousseyni Keita, outro que tinha rescindido, também regressou, mas acabou por não subir ao relvado por mais um drama em todo o enredo: o maliano foi acusado pelo presidente João Bartolomeu de ter roubado uma mala com dinheiro, e por isso não voltou a jogar.
Toda a situação seria mais tarde recordada por Miguel Assunção, guarda-redes do Feirense, que falou da situação em entrevista ao Bola na Rede: «Até ao último momento todos nós no CD Feirense pensámos que íamos enfrentar 11 jogadores. Ninguém queria acreditar que esta situação iria mesmo acontecer».
«No dia do jogo, quando saímos para aquecimento, percebemos que não havia adversário a aquecer. Até que a uns 20 minutos de começar o encontro saíram oito jogadores. Digamos que foi constrangedor para ambas as partes…», recordou o jogador, que tinha apenas 20 anos na altura do sucedido.

O resultado possível
Esta não é uma história de superação, nem um espetacular conto de fadas sobre o quão poderosa pode ser a força de vontade de oito jogadores. Nada disso.

A expectativa era que a UD Leiria fosse goleada nessa tarde, e foi precisamente isso que aconteceu, ainda que o 0x4 final até possa ser visto como um resultado bastante positivo para uma equipa que esteve com menos três elementos durante a totalidade do jogo.
Para que o resultado não fosse tão avolumado houve dois fatores de relevo: 1) duas linhas (apenas duas, claro) extremamente recuadas e compactas durante 90 minutos e 2) um homem inspirado atrás desses sete elementos.
Oblak foi, naturalmente, um homem em destaque durante toda a partida, mas em particular na primeira parte. Graças ao esforço defensivo, a equipa treinada por José Dominguez aguentou quase até ao intervalo, sofrendo o primeiro golo do jogo já no tempo extra da primeira parte.
Pedro Queirós aumentou para 0x2 logo no início da segunda parte e Miguel Pedro, que tinha marcado o primeiro, bisou aos 57 minutos. O 0x3, resultado normalmente aplicado numa falta de comparência, quase foi o resultado final neste jogo histórico, mas Bédi Buval fez o quarto e último golo aos 88 minutos.
Histórico, claro, mas não um dia particularmente feliz para o futebol português, que teve de testemunhar um final triste para um clube como a UD Leiria. A equipa do Lis desceu de divisão, naturalmente, mas acabou por nem disputar o segundo escalão (Divisão de Honra) na época seguinte, por não cumprir os requisitos obrigatórios no processo de candidatura às provas profissionais.

Texto por Ricardo Miguel Gonçalves (Zerozero)